Realizado em conjunto com o CineBH International Film Festival, o Brasil CineMundi é o evento de mercado do cinema brasileiro focado em co-produção internacional. Para além dos meetings, pitchings, labs de audience design e desenvolvimento de projetos, o evento promove debates sobre a cadeia produtiva do audiovisual nacional. E no terceiro dia da 14a edição do mercado, a regulação do VoD deu a tônica do ciclo de debates.
O primeiro aspecto notado, na sessão de abertura do ciclo , foi a ausência do diretor-presidente da Ancine, Alex Braga. A Ancine é a Agência Nacional do Cinema Brasileiro, uma autarquia federal que regula e fiscaliza, e por meio do FSA (Fundo Setorial do Audiovisual), fomenta a produção independente nacional. O assessor da secretaria de regulação, Fábio. Barcelos, representou a agência ao compor a mesa durante a segunda parte do ciclo de debates. A Secretária Nacional do Audiovisual (Minc/SAV) Joelma Gonzaga, iniciou os trabalhos apresentando a estratégia e os dados do relatório formulado no grupo de trabalho do VoD, como já havia feito neste mês durante a audiência pública no Senado Federal para debater aspectos do PL 2331/2022 (da regulamentação do serviço de vídeo sob demanda) e do PL 1994/2023 (da cobrança da Condecine, a Contribuição Para O Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, das plataformas de streaming).
Falando de boas experiências de regulamentação do video on demand no mundo, Joelma Gonzaga considera esse momento um novo caminho para o audiovisual brasileiro, uma oportunidade de promover um marco regulatório que vai projetar a produção audiovisual internacionalmente, desenvolvendo essa indústria criativa gerando emprego, renda e impacto econômico. Ainda na mesa que inaugurou o debate, a produtora, diretora do Siaesp (Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo e Liderança do +Mulheres Cinema do Brasil, Débora Ivanov, apontou que houve um salto na regulação do audiovisual no âmbito doméstico, com a multiplicação no número de CPBs - o certificado de produto brasileiro - após 2013, sendo 37% de produções de fora do eixo Rio-São Paulo. A mediação foi do secretário adjunto de Cultura de Belo Horizonte e gestor de políticas públicas para o audiovisual, Gabriel Portela.
Na mesa formada para dar conta da 1 parte do debate, tergiversou-se sobre como o streaming representa desafios e novas oportunidades para as políticas públicas do cinema e do audiovisual e para a organização geopolítica da informação, do conhecimento e da indústria cultural. Participaram o distribuidor Daniel Queiroz, da Embaúba Play; o diretor, produtor e presidente do Sindav (Sindicato da Indústria do Audiovisual Mineiro), Guilherme Fiuza Zenha; a produtora e distribuidora Letícia Friedrich, da Vitrine Filmes; a produtora e distribuidora da Plataforma Cardume Curtas, Luciana Damasceno; e a produtora de cinema Sara Silveira. Lia Bahia, professora e pesquisadora da UFF, mediou a mesa.
Sobre a urgência da regulação do VoD no Brasil, um espaço de diálogo foi formado na parte 2 do encontro, com lideranças políticas, representantes do poder público e profissionais do cinema representando a sociedade civil, como a titular da SAV, Joelma Gonzaga, a Presidente da Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro (Apan), Tatiana Carvalho Costa; a produtora e diretora da Associação Paulista de Cineastas (Apaci), Minom Pinho; e o Ex-Ministro da Cultura e atual assessor especial da Presidência do BNDES, Juca Ferreira. A condução do debate foi da cineasta e diretora da API (Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro), Cintia Domit Bitar.
A ideia do debate transversal, transdisciplinar e diverso ajudou a trazer à baila reflexões importantes sobre que modelo de regulação de VoD queremos no Brasil. Juca Ferreira deu uma contextualização histórica ao comentar que, o protecionismo estrangeiro, os modelos de regulação doméstica de audiovisual proibidos pelos estadunidenses com respaldo da Organização Mundial do Comércio não abarcaria a cultura já que a mesma tem sua especificidade e não se situa dentro de uma lógica capitalista e neoliberal de mercado. Falou da necessidade de reconstruir o departamento de cultura do BNDES e que isso será uma prioridade. Ele ainda mostrou preocupação ao analisar como os grandes streamings estão organizados e se unindo para criar um sistema onde o cinema independente brasileiro será minoritário, e que não há nada mais decolonial do que "evitar que esse sistema seja implementado e aprisione a produção nacional."
Sara Silveira comentou acerca dos 10% o que o Brasil tem de proteção do seu mercado audiovisual, que a França seria o modelo a se perseguir com o seu percentual de 25% além de
ter que estar no arcabouço fiscal para que os streamings e as majors sejam cobrados corretamente - atualmente, 1% da Condecine.
Minom Pinho reforçou a importância da defesa do direito autoral e patrimonial dos produtos audiovisuais brasileiros, o que segundo Joelma Gonzaga, fica com as produtoras independentes do Brasil. Na segunda parte da discussão, a secretaria nacional do audiovisual assinalou que regulamentação do VoD está sendo trabalhada no Minc pela SAV conjuntamente com a Secretaria dos Direitos Autorais (Marcos de Souza), em articulação com a Casa Civil e os parlamentares e senadores, como Humberto Costa (PT), Reginaldo Lopes (PT) e Randolfe Rodrigues. Cintia Domit Bitar lembrou que as entidades do audiovisual brasileiro estão unidas e fazem parte dessa estratégia, que inclui: propriedade intelectual e patrimonial, proeminência, investimento direto, Condecine e Cotas.
“Existe uma discussão sobre a pluralidade do Brasil que é perda de tempo; ficam chamando de identitarismo enquanto deveríamos nos 'aquilombar', nutrir a união entre nós enquanto sociedade e setor”, frisou Tatiana Carvalho Costa, acrescentando que, num país como o Brasil onde a maioria da população é negra e formada por mulheres, deveria ser natural a produção de narrativas diversas.
Diretora da Universo Produção, realizadora do Brasil CineMundi, Raquel Hallak, vê o ciclo de debates como um prolongamento do Fórum de Tiradentes, que em sua primeira edição realizada em Janeiro deste ano, dentro da Mostra de Cinema de Tiradentes, consolidou propostas para o audiovisual brasileiro. Como já havia apontado na ocasião, Raquel Hallak, suscitou que uma das principais discussões sugeridas pelo grupo ao Legislativo fosse a regulamentação dos serviços de Vídeo sob Demanda (VoD), o que levou até a audiência na comissão de educação e cultura e todos os trâmites que se seguem no cinema brasileiro, em prol da soberania o do mesmo. E a harmonização das estratégias para regulação do VoD e internacionalização do cinema brasileiro no terceiro dia do CineBH e CineMundi apontaram possibilidades concretas de ação.
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