top of page
Buscar
Foto do escritorLorenna montenegro

[Festivais e Mostras] crítica: Monster

Atualizado: 25 de out. de 2023

2023

Japão

Diretor: Hirokazu Kore-eda


Dois personagens mergulhados na melancolia se conhecem na escola. Dois meninos doces mas que, pertencendo a mundos diferentes, elegem um refúgio para ser seu local de encontro. Uma mãe que sente o peso sob os seus ombros de ter que criar seu filho sozinha e um professor que não vê outro modo de obter afeto senão pagando uma acompanhante, são as outras duas peças/personagens que, junto com as crianças, compõem Monster, mais um petardo de drama e de sofisticação cinematográfica de Kore-eda.



Ganhador da Queer Palm em Cannes e distribuído pela Imovision no Brasil, esse novo filme do mestre niponico com roteiro de Yuji Sakamoto é sofisticado em sua forma narrativa não-linear que comove, ainda mais por tratar de um assunto tão difícil e dilacerante. Kaibutsu, o título original, seria um sinônimo com um significado mais abrangente: maligno, um espírito mal ou a maldade encarnada. A monstruosidade que está no inconsciente, a sombra de cada um que, se alimentada, vai assombrar e aflorar o monstro.


"Quem é o monstro?"


A magistral Sakura Ando (de Assunto de Família) é Saori, mãe do menino Minoto que é aluno do professor Hori (Eita Nagayama) e colega de classe do pequeno Yori. Viúva, ela começa a se desesperar e ter um conflito com a escola e o professor Hori, acusado de fazer bullying com Minoto. Monster tem a narrativa compartimentado em três pontos de vista - o da mãe, o do professor e do menino mais velho que está no centro da confusão, Minoto.


A perícia do roteiro e da direção fazem com que certezas sejam esvaziadas e que, a partir de cada uma das perspectivas distintas a história se complexifique e destaque tramas que revolvem em torno do afeto, da solidão, do amor, do desprezo, da homofobia, da inocência, da ternura e do senso de dever. Muitos desses valores e temas são muito trabalhados por Kore-eda em filmes tão distintos como Ninguém Pode Saber e Boker. A natureza humana está na centralidade da obra do cineasta de Depois da Vida, que coloca como mote de Monster a sentença; "não importa o que aconteceu. Tente de novo."


Afinal, as conclusões precipitadas e as lições de moral não são questões prementes na tradição do cinema japonês de Ozu, Mizoguchi ou Kinuyo Tanaka e nem no de Hirokazu Kore-eda. Outro belo destaque de Monster é a trilha do mestre Ryuichi Sakamoto, em seu último trabalho no cinema, que dá o tom melancólico, romântico e trágico da dimensão humana representada no drama vivido por Minoto, Yori, Hiro e Saori. Numa cena em particular, a música no seu dodecafonismo, com Minoto e a diretora experimentando instrumentos de sopro é o sopro de vida que faltava para impedir o professor Hiro de cometer um ato desesperado.


As incongruências em relação ao fato - a criança que sofreu bullying ou provocou bullying - se alicerçam nas mudanças de focos narrativos que ajudam a preencher lacunas sobre a compreensão moral da história. Pouco a pouco, Monster apresenta o verdadeiro monstro do enredo: a mente tacanha. A melhor representação é o pai de Yori, que quer curar o menino, 'muito delicado' pro seu gosto e que enfia na cabeça do próprio filho que ele não é uma criança normal pois tem um cérebro de porco no lugar de um cérebro humano. E a faceta mais ardilosa por outro lado é a da diretora da escola, fria, hipócrita e atormentada pelo remorso.


Piromaníaco, o menino mais novo é talvez o ponto mais frágil da narrativa de Monster já que um evento central na história teria sido desencadeado por ele, por mais inverossímil que pareça mesmo com os indícios de diegese na trama do prédio incendiado. Um terremoto de desejos e tremores toma conta dos meninos, que tentam não expressar o afeto que sentem um pelo outro em frente aos bullies da escola.


O clímax de Monster tem no budismo ou no renascimento como outro ser na reencarnação vindora o suporte filosófico e cinemático que provoca a catarse. Saori e professor Hiro saem em busca de Minoto durante uma tempestade no ápice do terremoto, vão até o esconderijo do menino e de Yori, o refúgio da maldade do mundo, onde se deparam com uma revelação.


O Portão azul que impede o acesso a antiga ponte sumiu. Minoto e Yori correm e brincam no mato. Em um diálogo com o pai morto, homenageado na forma de um altar na sala de casa, Minoto pergunta porque que teve que nascer, buscando compreender quem é e o que precisa fazer para ser feliz.


Monster não traz soluções para os males e nem se utiliza dos subterfúgios do cinema ocidental para prover o público com um happy end ou a falsa sensação de paz. Provoca turbulência sentimental e reflexão, coisa que só os grandes filmes sabem fazer.



Avaliação: ❤️❤️❤️❤️❣️


*o coração cheio equivale a 2 e o coração pequeno equivale a 1. A maior pontuação são 5 corações cheios.



60 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


Post: Blog2_Post
bottom of page