2023
Brasil
Direção: Eva Pereira
A violência é um bicho que vive na escuridão e se alimenta de sofrimento. Que cresce e prolifera onde há mágoa, ressentimento e espaço para os sentimentos ruins se espalharem.
A mulher, cansada de ser preterida, acolhe os olhares de um estranho. Essa mesma mulher, que é mãe, aliena a filha mais velha da realidade, dizendo para ela que qualquer distúrbio ou coisa estranha que ocorre é apenas "o barulho da noite."
O longa de Eva Pereira, que fez sua estreia no ultimo Festival de Gramado, se torna um marco no audiovisual nortista ao ser o primeiro longa de ficção feito no Tocantins. E a estreia não foi sem polêmica já que O Barulho da Noite dividiu opiniões e afetou especialmente as mulheres que estiveram presentes durante a exibição na serra gaúcha.
Assustadora experiência de dramaturgia, o filme de Eva Pereira se ordena narrativamente como um exercício de gênero, onde a fotografia, o desenho de som, a montagem e a cenografia contribuem para ambientar tudo numa atmosfera de medo e de isolamento. As crianças Alicia Santana (a mais Velha, Maria Luísa) e Ana Alice Dias (Ritinha) atuam como filhotes acuados após a partida do pai angelical, vivido por Marcos Palmeira.
O contraste gritante entre o pai, um vaqueiro temente a Deus e que integra uma comitiva da folia do Divino, com a mãe rígida e taciturna, vivida por Emannuelle Araújo, talvez seja demais. Mas é compreensível o gesto da diretora e roteirista em demarcar bem como as crianças orbitam entre um pai completamente dedicado e uma mãe absolutamente ausente, entendida com o vida simplória que leva. E a chegada do sobrinho do esposo, Athayde (Patrick Sampaio) revolve a terra e soterra os sonhos das meninas, sufocadas pro desejo da mulher.
A minha leitura de O Barulho da Noite é a de que os abusos físicos e sexuais são tão insidiosos que é uma saída interessante não apelar para o grafismo dos atos violentos. A sugestão e o momento que antecede a quebra da inocência pode ter uma gravidade e um peso dramático tão sufocante quanto mostrar o abuso de fato. E nos rincões do Brasil, nos lugares mais esquecidos, a violência contra as mulheres permanece sendo um flagelo. E Eva Pereira teve a coragem de falar sobre e construir um filme que desperta sentimentos e sensações múltiplos.
Avaliação: ❤️❤️❤️❤️
*o coração cheio equivale a 2 e o coração pequeno equivale a 1. A maior pontuação são 5 corações cheios.
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