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[Festivais e Mostras] Frankenstein

  • Foto do escritor: Lorenna montenegro
    Lorenna montenegro
  • 20 de out.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 16 de nov.

Direção: Guillermo Del Toro

Roteiro: Guillermo Del Toro



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O coração então se partirá, mas ainda que partido, ele continuará a viver." - Lord Byron, Fare Thee Well (1816)

Medusa, a bocca della verità, tabula rasa, memento mori, o cristo crucificado, Adão, o prometeu moderno. A mitologia em torno da obra máxima de Mary Shelley, o romance que inaugura a literatura gótica e que influenciaria Edgar Allan Poe - que presumidamente leu Frankenstein na juventude - entre outros autores daquele gênero que seria chamado de horror com a chegada da modernidade, é vasta. E um dos autores do cinema atual com um estilo tão particular que se tornou uma mitologia propriamente dita, alegorias do real que antes habitavam somente os sonhos e passaram a povoar as telas onde l monstros protagonizam histórias melancólicas. A cortesia é de Guillermo Del Toro, um entusiasta apaixonado de Frankenstein.

O que é curioso é que Frankenstein não é uma o obra simples de adaptar, talvez por aquilo que está encarnado no texto de Mary Shelley - a capacidade de criação e de destruição do homem que brinca de Deus -, que James Whale foi capaz de extrair e tornar seu, com o auxílio do mítico Boris Karloff, que deu vida à criatura no final de 1931 e em sua continuação, de 1935. A trajetória desse visionário do cinema, que se utilizou de dois filmes para transmutar o livro de Mary Shelley em uma narrativa que de certa forma inaugura o subgênero “filme de monstro” na Universal, está recontada no filme Deuses e Monstros de Bill Condon. Del Toro é, para a felicidade de seus fãs e tristeza de seus detratores, também um visionário do cinema, que mergulha na fantasia e no cinema de gênero para gerar filmes com a sua assinatura.

Frankenstein de Del Toro começa e termina exatamente como Mary Shelley concebeu, inclusive seguindo a mesma divisão da obra literária: um prelúdio que se passa durante a infância de Victor, sucedido pela parte 1: A História de Victor e pela parte 2: A História da Criatura. Del Toro diminui a participação de Elizabeth na história e altera a sua origem, fazendo a menina deixar de ter idade semelhante a de Victor e ser sua irmã de criação, passando a ser mais jovem do que ele e a noiva de seu irmão, que entra mais tarde na história. O irmão dele, William, é uma criança no livro, assassinada pela criatura; outra morte que teve suas circunstâncias alteradas é da mãe de Victor, que no filme morre no parto enquanto que na obra de Mary Shelley, padece de febre escarlatina quando cuida de Elizabeth. O professor Krempe é mais o mentor de Frankenstein do que é no filme e o personagem de Harlander é uma criança de Del Toro, cumprindo o papel de patrono e financiador dos experimentos de Victor e sendo tio de Elizabeth. Uma ausência no filme, que boa parte das meia dúzia de adaptações de Frankenstein para o cinema também mantiveram, e a da ama Justine, que é responsabilizada e acusada de ter assassinado William e é condenada, aumentando a culpa de Victor já que ele sabe que a criatura matou seu irmão mas prefere não revelar a verdade e lidar com o seu pecado.

As mudanças feitas por Del Toro, ainda que mantivesse uma fidelidade quase didática a história, tornaram possível o enredo da dama que se apaixona pelo monstro, uma tônica da obra do cineasta mexicano, de A Forma Da Água a Hellboy. Em sua versão, Elizabeth não só não é apaixonado por Victor como o despreza por conta do tratamento que ele reserva a criatura, de quem acaba se afeiçoando e com quem acaba fazendo planos românticos de fuga. As criaturas que habitam os sonhos e pesadelos de Del Toro protagonizam seus filmes, e uma similitude existe com relação ao Magnum opus de Mary Shelley.

A esposa do poeta e também escritor Percy Shelley, em meio a um desafio literário proposto por Lord Byron durante o verão de 1816 em Genebra, concebeu uma história de fantasma que falava “aos misteriosos medos da natureza humana, despertando um espantoso horror capaz de fazer gelar o sangue e acelerar os batimentos cardíacos”, durante as reuniões com o grupo que debatia sobre reanimação de cadáveres com correntes galvânicas e outros assuntos; uma Mari que sonhava e somava seus sonhos e desafetos as suas criações teve a visão de um homem estudioso aos pés da coisa morta-viva, da criatura que ele havia reunido. E então, no dia seguinte, ela disse que tinha uma história e passou a escrever o conto lúgubre, que cresceu, foi se expandindo até se tornar o romance sobre o prometeu moderno.

“Acaso criador, pedi que do barro me moldasse homem? Que das trevas, me reerguesse?” - John Milton (em Paraíso Perdido)

Com a estilística que torna seus filmes reconhecíveis de menor ao maior detalhe dos cenários, como O Beco do Pesadelo, a Colina Escarlate e O Labirinto do Fauno, Del Toro reúne em Frankenstein um time de profissionais que devem ser indicados nas categorias de design de produção, figurino, maquiagem, fotografia e efeitos visuais. Além do habitue da temporada de premiações, o compositor francês Alexander Desplat, que realiza uma obra épica e cheia de spleen, a melancolia dos escritores do romantismo.

Feito para ser apreciado na sala de cinema mais majestosa possível, o Frankenstein de Del Toro tem no seu elenco outro trunfo, com destaque para Oscar Isaac, como Victor - que as vezes pode ser muito intenso mas não chega a entregar uma perfomance over, afinal, a sua versão do doutor é de origem latina - e Jacob Elordi como a criatura. Mia Goth às vezes parece entediada e talvez seja parte da caracterização dessa versão de Elizabeth, “que não pertence a esse mundo” mas tanto ela quanto Christop Waltz não brilham tanto quanto a dupla central. Oscar empresta muito de fúria, de coração partido e de humanidade para o monstruoso inventor e Jacob, apesar de ter sido uma escalação apressada e polêmica - Del Toro inclusive foi questionado por não ter escalado Doug Jones, seu colaborador habitual, para o papel - traz, além de uma fisicalidade impressionante, a fragilidade, a doçura e a desilusão daquele ser que não poderia existir e precisa lidar com esse fardo imposto. Elordi teve 9 semanas para se preparar para o papel, já que o ator escalado anteriormente, Andrew Garfield, declinou por conflitos na agenda. E seu trabalho deve ser k único de atuação que tem chance de beliscar indicações como melhor ator coadjuvante na temporada de premiações, com seu rosto que transmite uma “tristeza de alma” sendo outra fonte de comoção.


Frankenstein de Del Toro é uma obra defeituosa mas que parte para o mundo, como um bebê recém nascido ou uma borboleta que sai do casulo e mesmo com uma direção não tão inventiva (ainda que a assinatura esteja lá) do cineasta mexicano hipnotiza e comove quem ama o cinema.

 
 
 

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