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[Festivais e Mostras] Frankenstein

  • Foto do escritor: Lorenna montenegro
    Lorenna montenegro
  • 20 de out.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 4 de nov.

Direção: Guillermo Del Toro

Roteiro: Guillermo Del Toro



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O coração então se partirá, mas ainda que partido, ele continuará a viver." - Lord Byron, Fare Thee Well (1816)

Medusa, a bocca della verità, tabula rasa, memento mori, o cristo crucificado, Adão, o prometeu moderno. A mitologia em torno da obra máxima de Mary Shelley, o romance que inaugura a literatura gótica e que influenciaria Edgar Allan Poe - que presumidamente leu Frankenstein na juventude - entre outros autores daquele gênero que seria chamado de horror com a chegada da modernidade, é vasta. E um dos autores do cinema atual com um estilo tão particular que se tornou uma mitologia propriamente dita, alegorias do real que antes habitavam somente os sonhos e passaram a povoar as telas onde l monstros protagonizam histórias melancólicas. A cortesia é de Guillermo Del Toro, um entusiasta apaixonado de Frankenstein.

O que é curioso é que Frankenstein não é uma o obra simples de adaptar, talvez por aquilo que está encarnado no texto de Mary Shelley - a capacidade de criação e de destruição do homem que brinca de Deus -, que James Whale foi capaz de extrair e tornar seu, com o auxílio do mítico Boris Karloff, que deu vida à criatura no final de 1931 e em sua continuação, de 1935. A trajetória desse visionário do cinema, que se utilizou de dois filmes para transmutar o livro de Mary Shelley em uma narrativa que de certa forma inaugura o subgênero “filme de monstro” na Universal, está recontada no filme Deuses e Monstros de Bill Condon. Del Toro é, para a felicidade de seus fãs e tristeza de seus detratores, também um visionário do cinema, que mergulha na fantasia e no cinema de gênero para gerar filmes com a sua assinatura.

Frankenstein de Del Toro começa e termina exatamente como Mary Shelley concebeu, inclusive seguindo a mesma divisão da obra literária: um prelúdio que se passa durante a infância de Victor, sucedido pela parte 1: A História de Victor e pela parte 2: A História da Criatura. Del Toro diminui a participação de Elizabeth na história e altera a sua origem, fazendo a menina deixar de ter idade semelhante a de Victor e ser sua irmã de criação, passando a ser mais jovem do que ele e a noiva de seu irmão, que entra mais tarde na história. O irmão dele, William, é uma criança no livro, assassinada pela criatura; outra morte que teve suas circunstâncias alteradas é da mãe de Victor, que no filme morre no parto enquanto que na obra de Mary Shelley, padece de febre escarlatina quando cuida de Elizabeth. O professor Krempe é mais o mentor de Frankenstein do que é no filme e o personagem de Harlander é uma criança de Del Toro, cumprindo o papel de patrono e financiador dos experimentos de Victor e sendo tio de Elizabeth. Uma ausência no filme, que boa parte das meia dúzia de adaptações de Frankenstein para o cinema também mantiveram, e a da ama Justine, que é responsabilizada e acusada de ter assassinado William e é condenada, aumentando a culpa de Victor já que ele sabe que a criatura matou seu irmão mas prefere não revelar a verdade e lidar com o seu pecado.

As mudanças feitas por Del Toro, ainda que mantivesse uma fidelidade quase didática a história, tornaram possível o enredo da dama que se apaixona pelo monstro, uma tônica da obra do cineasta mexicano, de A Forma Da Água a Hellboy. Em sua versão, Elizabeth não só não é apaixonado por Victor como o despreza por conta do tratamento que ele reserva a criatura, de quem acaba se afeiçoando e com quem acaba fazendo planos românticos de fuga. As criaturas que habitam os sonhos e pesadelos de Del Toro protagonizam seus filmes, e uma similitude existe com relação ao Magnum opus de Mary Shelley.

A esposa do poeta e também escritor Percy Shelley, em meio a um desafio literário proposto por Lord Byron durante o verão de 1816 em Genebra, concebeu uma história de fantasma que falava “aos misteriosos medos da natureza humana, despertando um espantoso horror capaz de fazer gelar o sangue e acelerar os batimentos cardíacos”, durante as reuniões com o grupo que debatia sobre reanimação de cadáveres com correntes galvânicas e outros assuntos; uma Mari que sonhava e somava seus sonhos e desafetos as suas criações teve a visão de um homem estudioso aos pés da coisa morta-viva, da criatura que ele havia reunido. E então, no dia seguinte, ela disse que tinha uma história e passou a escrever o conto lúgubre, que cresceu, foi se expandindo até se tornar o romance sobre o prometeu moderno.

“Acaso criador, pedi que do barro me moldasse homem? Que das trevas, me reerguesse?” - John Milton (em Paraíso Perdido)

Com a estilística que torna seus filmes reconhecíveis de menor ao maior detalhe dos cenários, como O Beco do Pesadelo, a Colina Escarlate e O Labirinto do Fauno, Del Toro reúne em Frankenstein um time de profissionais que devem ser indicados nas categorias de design de produção, figurino, maquiagem, fotografia e efeitos visuais. Além do habitue da temporada de premiações, o compositor francês Alexander Desplat, que realiza uma obra épica e cheia de spleen, a melancolia dos escritores do romantismo.

Feito para ser apreciado na sala de cinema mais majestosa possível, o Frankenstein de Del Toro tem no seu elenco outro trunfo, com destaque para Oscar Isaac, como Victor e Jacob Elordi como a criatura. Mia Goth as vezes parece entediada e talvez seja parte da caracterização dessa versão de Elizabeth mas tanto ela quanto Christop Waltz não brilham tanto quanto a dupla central. Oscar empresta muito de fúria, de coração partido e de humanidade para o monstruoso inventor e Jacob, apesar de ter sido uma escalação polêmica - Del Toro inclusive foi questionado por não ter escalado Doug Jones, seu colaborador habitual, para o papel - traz, além de uma fisicalidade impressionante, a fragilidade, a doçura e a desilusão daquele ser que não poderia existir e precisa lidar com esse fardo imposto. Frankenstein de Del Toro é uma obra defeituosa mas que parte fora agora e comove quem ama o cinema.

 
 
 

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