[Festivais e Mostras] O Quarto Ao Lado
- Lorenna montenegro
- 7 de out. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 4 de mar.
Direção: Pedro Almodóvar
Roteiro: Pedro Almodóvar

No rigor do quadro, de cada enquadramento, posicionamento dos elementos em cena, das atrizes, Almodóvar faz de “No Quarto Ao Lado” uma aula de cinema e elegância. Menos austero aqui do que em “Dor e Glória” e mais contido no escoar das emoções nos close ups aqui do que em “Fale Com Ela” ou “Tudo Sobre Minha Mãe”, ele estreia filmando em solo estrangeiro e numa língua estrangeira com excelência.
Nova York e seus arredores são personagens essenciais em O Quarto Ao Lado, ajudando a narrar a história das amigas de trabalho que se reencontram anos depois e fazem um pacto, digamos, diferente do usual. E o “como” faz toda a diferença nessa história sobre amizade e eutanásia, que sem uma forte autoria por trás, descambaria em mais um filme maniqueísta como Hollywood produz aos borbotões. O Quarto Ao Lado é um majestoso tour de force de um diretor espanhol se tornando um nova-iorquino, operando em um alto nível de controle e rigor com elegância.
Partindo do romance “What Are You Going Through” de Sigrid Nunez, o relato em primeira pessoa de uma mulher de meia idade, Ingrid, e as pessoas e situações que a circundam, numa narrativa coral onde se tem um homem meio taciturno e sua mãe com alzheimer e como eles se relacionam; o dono de um Airbnb que é antissocial e tem dificuldades em lidar com seus hóspedes; e a amiga de infância de Ingrid que é de era uma doença terminal e decide pela eutanásia. Na adaptação de Almodóvar, ele opta por transmutar o livro de Nunez, mantendo o conceito de uma protagonista-narradora passiva e observadora, que por meio dos outros supre a necessidade premente que possui de falar da experiência humana a partir da observação mas também da necessidade em ser parte de experiências transformadoras. O que ocorre quando, no filme, Ingrid (Julianne Moore, num papel difícil e que ela domina com maestria) recebe o pedido de Martha (a magistral Tilda Swinton) de estar com ela em seus dias finais.
O jogo cênico que se dá, como Almodóvar e suas atrizes constroem a jornada do filme, seja na excelência da decupagem que denota uma direção com absoluto controle e delicadeza, explorando matizes que compõem a estética do cineasta, na fotografia executada por Edoard Grau como as cores primárias que vão de esmaecidas e fortes e contrastadas até a aproximação do clímax, na cena em que Martha, de suéter vermelho, enfraquecida, assiste um filme deitada no colo de Ingrid, de azul, no sofá verde vivo ou na cena do clímax - a partida de Martha, de batom vermelho intenso, vestindo um paletó amarelo, numa espreguiçadeira alaranjada, sob um céu e um sol brilhantes.
“Há várias formas de se viver dentro da tragedia”
O transcorrer das semanas, dos dias e das horas em que as memórias de Martha vai se fundindo e confundindo períodos históricos, tratando da frustração em ter sido amada por muitos homens mas não ter amado nenhum deles e da dor por estar apartada da filha, que lhe dirigiu palavras duras e que ficaram gravadas na sua mente (“ela nunca me aceitou como mãe”, diz, magoada, à Ingrid), de estar ciente que é egoísta por querer a amiga no quarto ao lado num momento horrível e que, nas palavras do amigo e ex amante das duas, o irascível e desiludido Damian (simplesmente John Turturro) é um fardo que Ingrid reclama para si já que ele sempre a admirou pela forma que ela “sabe sofrer sem culpar o outro”.
O Quarto Ao Lado talvez não seja um filme almodovariano para muitos ou mesmo para os fãs do seu cinema já que caracteriza, a exemplo de Picasso, uma nova fase completamente nova, talvez sombria e diáfana, em sua filmografia. Um dos maiores cineastas dos últimos 40 anos faz um dos maiores filmes de 2025, com atrizes e atores tarimbados - até Alessandro Nivola, presente em O Irlandês e O Brutalista, está aqui em uma mini participação como policial -, com uma empatia enorme pelo feminino, pelo humano, denotando uma experiência cinematográfica sublime, existencial, catártica e quantos mais adjetivos possam ser usados para expressar ou falhar em expressar um cinema de excelência que passa perante os olhos fixados no ecrã. Viva!
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