[Festivais e Mostras] O Brutalista
- Lorenna montenegro
- 28 de out. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 21 de fev.
Direção: Brady Corbet
Roteiro: Brady Corbet e Mona Fastvold

László Toth é um arquiteto húngaro, formado pela Bauhaus, se atira de um trem e sobrevive ao Holocausto (do campo de concentração Bergen-Belsen), chegando em 1947 à terra prometida - que não, não é Jerusalém pois o Estado Ilegal de Israel só seria criado um ano depois. Na América, nos Estados Unidos, ele vive "o sonho" entre bordeis e pulgueiros próximos ao cais do porto onde havia desembarcado, em NY, até se mudar para trabalhar com um primo que tem uma loja de móveis na Pensilvânia, o lugar "do progresso, da evolução tecnológica proveniente da mineração de ferro". A saga superlativa desse personagem fictício, uma espécie de épico às avessas, inspirado em "Era Uma Vez na América" segundo as palavras do próprio diretor, Brady Corbet, é oblíqua, tortuosa ainda que ao fim, seja redentora. E é sobre arte, sobre a brutalidade do capitalismo, sobre anti-sionismo/sionismo e sobre a própria representação judaica no cinema.
"Para mim, a arquitetura em O Brutalista é representativa de algo que as pessoas não compreendem, que elas querem extirpar, arrancar, fazer tombar. Eu acho isso fascinante, esse movimento que veio da Bauhaus (de nomes como Marcel Breuer, Paul Rudolph ou Louis Kahn), uma escola que lutava contra o que o mundo todo havia passado, os traumas deixados pelos conflitos e guerras da primeira metade do século 20. Então, esse filme é sobre como o aspecto psicológico do pós guerra moldou a arquitetura no pós guerra", disse Brady Corbet, em entrevista para a Variety durante o Festival de Veneza, onde o filme arrebanhou o Leão de Prata de Melhor Direção.
Talvez esteja intuído que um filme sobre judeus sobreviventes da Shoah que migram para os Estados Unidos tenha uma conotação ufanista e sionista, de exaltação dos valores da cultura e da perspicácia, do gênio criativo, artístico ou para negócios dos personagens retratados e como estes deram conta de ressignificar suas histórias e superar adversidades, vivendo o "sonho americano". Porém, e aí talvez resida a fagulha residual e diferencial de O Brutalista - roteiro de Corbet e de sua companheira, Mona Fastvold - que tem como protagonista um anti heroi que já chega alquebrado (não só de espírito mas também de corpo), no novo mundo, que se vicia num certo derivado do ópio e que deixa seus rompantes de arrogância e indolência ditarem seus atos, que se submete a vontade de homens endinheirados para poder expressar a sua visão, deixar um legado - a que custo?
O Brutalista é um épico inspirado, segundo o próprio Corbet em entrevista realizada no Lincoln Center em meados de outubro, em Era uma vez em Nova York, mas sendo mais do que apenas uma história clássica homônima de imigrantes judeus (é um conto de advertência, um épico, no entanto, sobre sonhos quebrados e consumidos por ópio e ressentimento). Este é um filme de outra época, tão diferente de qualquer outra coisa e, no entanto, tão familiar e único.
Toth é encarnado pelo ator estadunidense Adrien Brody, que, com sua fisionomia peculiar e alcance dramático costuma dar vida a personagens muito peculiares e, em alguns filmes como O Pianista, cidadãos do leste europeu. Mas não é só no sotaque húngaro que ele capricha em O Brutalista: a postura encurvada, de derrotado, quando o arquiteto está no fundo do poço ou buscando algum conforto na sinagoga, cria uma dicotomia corporal interessante com a altivez que ele encarna a partir do momento em que volta a conceber planos e projetos. A ambição desse protagonista, cheio de nuances e muitas vezes antipatico, é alimentada pelo dinheiro insidioso do vilão Van Buren (Guy Pearce, futuro ganhador do Oscar por esse papel). A relação deles dois se move a partir da construção do centro cultural e esportivo no topo do morro na propriedade do magnata.
Com direito a intervalo, as três horas e meia de O Brutalista se dividem em duas fatias iguais ms não idênticas, com a direção de Corbet e seu roteiro, escrito em colaboração com Fastvold, construindo com ruídos e fissuras a saga de redenção e perdição de Toth. A intenção do casal de criadores coaduna com as tonalidades frias e a luz soturna trabalhada pelo diretor de fotografia Low Crawley nos momentos de maior intensidade dramática, escalonada pela trilha arrojadíssima de Daniel Blumberg - formada por peças de música concreta. A organização das imagens e sons, numa montagem conceitualmente semelhante a aridez da arquitetura brutalista, com vãos (espaços dramáticos) e sensação de sufocamento ou inóspito vazio está a cargo de Dávid Jancsó. Com duas oscilações na concretude da narrativa díptica, O Brutalista fica na mente como uma obra cinematográfica com imperfeições na superfície e a necessidade de um polimento no discurso - que não se viu no contundente Zona de Interesse - ainda que também provenha momentos de reflexão filosófica, conexão humana, puro prazer estético e regozijo cinematográfico, como a sequência da violação em Carrara, na Itália, onde Toth e Van Buren tem seus destinos selados pelos deuses malditos.
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