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[Festivais e Mostras] O Último Azul

  • Foto do escritor: Lorenna montenegro
    Lorenna montenegro
  • 19 de ago.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 5 de set.

Direção: Gabriel Mascaro

Roteiro: Gabriel Mascaro e Tiberio Azul



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Impregnado pela exuberante paisagem e por um sufocante destino solitário, Cadu (Rodrigo Santoro) é um homem que afunda entre as brumas do seu passado - ao passo em que a embarcação o aterra no hoje; ele é uma espécie de guru ou emissário da transcendência que tem sua rotina sacudida pela passagem da viajante Tereza (Denise Weinberg, estupenda), uma mulher de 77 anos fugindo de um destino insólito.


Quarto longa-metragem ficcional de Gabriel Mascaro, O Último Azul é uma obra de estranhamento. Muito fiel ao seu estilo e autoria, o cineasta pernambucano volta seu olhar para a Amazônia, não sujeito e nem objeto a ser narrado mas sim, paisagem real e imaginária, numa história distópica onde uma idosa precisa empreender uma aventura para ter a chance de “voar” e se ver livre das amarras de uma sociedade de controle, representada pelo governo, pelo veículo cata velho e por sua filha que a quer em casa, aposentada, cuidando do neto. Ou se ela não se adequar ou não quiser sossegar, só resta ser enviada para uma colônia/campo de concentração.


Ao longo dos aproxima dos 85 minutos do filme, a heroína vivida por Denise Weinberg é constantemente levada pelas circunstâncias até que, já no final da jornada, resolve ir em busca de algo que achou que estava faltando. Mas antes disso, ela, Tereza tem sua rotina como funcionária de uma fábrica de carne de jacaré interrompida pela chegada de um comunicado: ela será dispensada do trabalho, receberá a comenda por seus serviços prestados como cidadã produtiva e será levada para uma colônia habitacional, longe da cidade, onde poderá passar os seus últimos anos.


A trama é ativada por esse incidente que coloca Tereza em rota de fuga e de libertação, numa jornada elíptica, tal e qual o monomito tão incensadamente usado por roteiristas e escritores ocidentais; ela vai fazer aliados, encontrar obstáculos ou ter que lidar com forças antagônicas, até obter seu prêmio final e retornar transformada ao ponto inicial - que também é o ponto de chegada. E O Último Azul vai, aos poucos, lentamente e caudalosamente, como seguindo o fluxo dos rios, conduzindo os espectadores pela trama compassada ainda que imersiva, com a artesania de Mascaro combinada a de Guillermo Gaza, Sebastián Sepúlveda e Memo Guerra - respectivamente, fotógrafo, montador e trilheiro do filme.


Sons que parecem não reverberar as sonoridades da floresta amazônica, ora estanpidos, ora ruídos, que soam alienígenas, compõe o desenho sonoro que carrega no ar de mistério, combinado a fotografia exuberante e desoladora na medida (na medida em que estar em meio a tanto verde pode também ser opressivo), friccionando com uma edição que opta por tornar o ritmo mais lento, mais opressivo, mais flutuante até que o barco esteja em seu caminho - e no terceiro ato, a câmera muda e deixa tanto de contemplar e passa a investigar, a cadência da montagem muda e se torna mais retilínea, refletindo que talvez, Tereza tenha encontrado o seu destino.


É estranho que mesmo um filme dramático de ficção científica que se passa em uma cidade amazônica fabulada, tenha uma mulher branca com traços sulistas como protagonista ou um barqueiro que não tem cara de caboclo, como o personagem de Santoro. Que as pessoas com cara de nortistas estejam em papéis menores, como os excelentes Adanilo (o suposto piloto Ludemir) Rosa Malagueta (a vizinha e amiga de Tereza, Esmeraldina) e Isabela Catão, mas ainda é uma escolha consciente do diretor, que assina o roteiro colaboração com Tibério Azul, ter estranhices e estrangeirices na representação de personagens e situações em O Último Azul. Ora quixotesco, o arranjo das situações e dos encontros de Tereza com outros personagens, em especial com Roberta (Miriam Socarras), está num registro meio difuso. E talvez, para além de estranhíssimo como elas se apaixonam, o relacionamento das duas mulheres não reluz ou não tem nenhum tipo de afeto que demarque que a protagonista encontrou uma paixão. Ou quem sabe, elas estão estreitando laços, com um desejo inoculado que pode vir para a superfície no pós filme. Mas que seria um que revolucionário, além de perfeitamente encaixado na narrativa sáfica (?) um beijo afetuoso entre as duas, isso seria.


Nas palavras de Mascaro, essa “utopia assistida a partir de uma distopia”, filmada em Manacapuru e Novo Airão, no Amazonas, e que é também uma homenagem a avó do cineasta, fabulando um futuro distópico mas esperançoso, é um filme especial. Porque O Último Azul é uma experiência cinematográfica, que prova a potência do cinema brasileiro, dos autores e cineastas desse país, que não abrem mão de serem honestos consigo e de fazerem obras que provoquem algo no público. Curioso que ainda que a baba do caramujo azul, seja um elemento dietético que faz referência ao ayuascha, as propriedades alucinógenas são compreendidas sem qualquer explicação mais específica. Político, o filme aborda a amazônia do futuro (pós COP30, a controversia dos créditos de carbono e falência das medidas ambientalistas), o contexto sócio político de exaustão do capitalismo, o conservadorismo - está tudo lá no subtexto e nas camadas de compreensão.


Se, por fim, Mascaro optou, como falou em entrevista no dia após a primeira exibição de O Último Azul no Brasil, na abertura do Festival de Gramado, retirar na ilha de edição a sequência em que Tereza voava e simbolizar esse voo de outra forma, mais figurativa e filosófica, com o retorno para o lado de Roberta após o delírio a la “Alice no País das Maravilhas” onde aposta o barco (que nem é dela!) na rinha de peixes beta e parece obter alguma resposta mística através do peixe branco resplandecente - é sinal de que nem todo o invisível pode ser visível mesmo numa narrativa cinemática. O filme se traduz a contento como a aventura hercúlea de uma mulher idosa querendo viver sem amarras ao passo que a Amazônia ali encenada, na lógica da distopia, não é um lugar de escassez e miséria mas sim, de mistério insondável (e uma riqueza espiritual que desperta os sentidos).






 
 
 

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