Publicado originalmente no jornal #DiariodoPara em 16/01/2010

O surgimento de um gênio
Com Eraserhead, nasce um dos nomes mais importantes do cinema moderno
No final da década de 70, surgiu um homem que mudou os rumos do cinema contemporâneo. Alguns o acham louco, um excêntrico. Outros, um gênio. Seu cinema não é para todos, especialmente Eraserhead. Menos lúdico que Veludo Azul, menos pop que Coração Selvagem, mais soturno que Cidade dos Sonhos e Império dos Sonhos juntos, o nível de pertubação deste primeiro filme do ex-marido de Isabella Rosselini é semelhante ao de Estrada Perdida, porém, diferente, um pouco mais aterrorizante, eu diria. Para aqueles que não se importam em desfrutar de alguns momentos de ‘confusão mental’, mas também, de cinema de altíssima qualidade, Eraserhead, um filme ímpar de David Lynch, será exibido na próxima segunda-feira, dia 18, no cineclube Alexandrino Moreira, no IAP- Instituto de Artes do Pará.
Uma atmosfera opressora em preto e branco extremamente sugestiva permeia Eraserhead. Numa cidade tipicamente industrial, cinza, barulhenta e constantemente em trabalho vive Henry Spencer (Jack Nance, ator que foi assassinado em 1996) em um prédio que parece abandonado. Sua única diversão é ouvir os ensinamentos de uma mulher no rádio que fala sobre felicidade no paraíso. Eis que sua antiga namorada, Mary X (Charlotte Stewart), aparece grávida, e a família da garota diz que a criança é de Henry e ele é obrigado a contrair matrimônio. O bebê na verdade é uma aberração e Mary abandona-o com Henry, que passa a cuidar sozinho da “criatura”. Como em qualquer outra obra de Lynch, neste filme nada é o que parece ser, tudo pode acontecer e a sensação de estranhamento nunca nos abandona. Filmado durante cinco anos, foi um verdadeiro martírio para ele, que vinha de uma carreira já polêmica como curta-metragista, e durante o processo atravessou um divórcio e a falta de grana recorrente (o filme ainda inclui arte em stop-motion). Mas eis que conseguiu finalizar essa obra feita de escuridão, sonho, seres deformados, simbolismos e delírios.
Foi um fracasso de público e de crítica na época. Mais o tormento, os sonhos destruídos de Lynch (sim, Eraserhead é meio auto biográfico, inclusive a filha dele, Jennifer Lynch, que seria ‘o bebê monstro’, nasceu com algumas deformações nas mãos), com a força criativa que ele tem, o fizeram dar a volta por cima. Eraserheadacabou premiado no Festival de Avoriaz no ano de sua produção, chamando a atenção do diretor/produtor Mel Brooks que no final dos anos 70 estava montando uma produtora que teria como seu primeiro grande lançamento "O Homem Elefante". Lynch foi convidado para dirigir este filme que acabou sendo distribuido mundialmente, ao contrário de Eraserhead que permaneceu inédito em vários países nas salas de cinema, inclusive no Brasil. Lynch disse certa vez que seus filmes são obras para serem interpretadas por cada espectador, levando em conta seus sentimentos e suas experiência e que o mistério faz parte da vida. Eraserhead com suas bizarrices, surrealismo e humor negro, conquistou o coração de ninguém menos do que Stanley Kubrick, fã assumido (será?)
Eternamente incompreendido, principalmente pelos americanos, Lynch é amado pelos europeus, em especial os franceses. Aqui no Brasil, seus filmes são recebidos com toda a expectativa e já esteve em algumas ocasiões na Mostra Internacional de São Paulo. Sua criação, a série Twin Peaks estabeleceu os parâmetros para todas as séries que a precederam desde então, como Arquivo X e Lost, que guardam claras referencias a Laura Palmer & Cia. Para os que pensam que ele se encontra num hiato, Lynch nunca pára de produzir curtas e quase sempre cria filmes em animação. A internet também foi um caminho que adotou para divulgar o que cria tendo em seu site pessoal um grande acervo de trabalhos. O fato é que, mesmo assim, todo o cinéfilo torce para que David Lynch deixe um pouco as pinturas e o twitter de lado e volte a fazer os seus filmes (longas) sempre geniais com regularidade.
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