Pela calada da noite preta da pauliceia, um vampiro milenar tenta descansar após ser atingido pelo tédio da existência. Essa é a premissa de Nosferatu, adaptação de Cristiano Burlan que teve filmagens em São Paulo capital e nas cidades de Paranapiacaba e Santos.
Fiz uma visita ao set de filmagem durante a segunda diária, que teve como locação o mitológico teatro, bar e casa de eventos Cemitério dos Automóveis, na Bela Vista. Uma equipe técnica diminuta, muito eficiente, rodava cada cena nos cenários minimalistas em poucos minutos, num destemor que lembrava as produções da antiga Belair na Boca do Lixo - mas com uma seriedade e um apuro estético importante. Burlan, com 22 longas metragens na sua filmografia, mais 8 curtas e 2 séries, entende muito bem a mecânica em se produzir audiovisual de forma independente no país. Executa esse filme com recursos da Lei Paulo Gustavo e muita clareza do filme que deve fazer.
"Entre o claro e o escuro, reside o melhor e o pior do ser humano. Eu tenho uma relação muito forte com os filmes expressionistas e com o gênero do terror, que são, de certa forma, também sobre a minha família, sobre a violência policial e a presença da morte. São os meus cavalos de tróia", assinalou o cineasta, em entrevista nos intervalos das filmagens para Kiko Mollica, do Canal Brasil.
Burlan acrescenta que sempre quis fazer sua versão de Nosferatu por acreditar que filmes de vampiro mas em especial, a obra de Murnau, configura um ato de resistência contra as opressões da sociedade, sendo filmes alegóricos sim, mas essencialmente políticos. Ele relembra que o cineasta alemão, quando realizou sua obra em 1922 não detinha os direitos de adaptação de Drácula - obra de Bram Stoker, lançada em 1897 - por isso criou novos personagens. e um outro contexto, onde o Conde Orlok (vivido de forma assombrosa por Max Schreck) seduz a esposa do empresário Hutter, responsável por vender seu castelo nos Cárpatos. Agora, na versão de Cristiano Burlan, ainda influenciada pela espírito transgressor do cinema noir, com seus personagens conflituosos e demasiadamente humanos, é Rodrigo Sanches quem incorpora um enfastiado Nosferatu e ainda assina o roteiro e a produção da obra.
Nosferatu de Burlan é filmado em preto e branco, como os filmes de vampiro dos primórdios do cinema eram feitos, retomando inclusive uma estilística presente na trajetória do cineasta - com em Antes do Fim. Esse filme, marca também o reencontro dos protagonistas do docudrama de 2017, Jean-Claude Bernardet e Helena Ignez. Eu acompanhei a diária em que eles contracenaram, como personagens que se conhecem há séculos e refletem sobre sua querela imortal. É sabido que Hollywood prepara uma nova versão de Nosferatu, que deve estrear nos cinemas em dezembro, dirigida por Robert Eggers e também filmada em preto e branco mas confesso que minha curiosidade está mais aguçada por esse filme independente e seu elenco que faz parte da história do cinema brasileiro, além das participações de Paula Possani, Biagio Pecorelli, Ana Carolina Marinho e Henrique Zanoni.
"Nosferatu é um vampiro que um dia foi a peste e hoje é subjugado pelo peso dos anos. Perseguido por Van Helsing, busca refúgio em uma cidade litorânea, enquanto é assombrado por Moira, uma fantasma de seu passado. Ao chegar na cidade, Nosferatu sente sede de sangue e, ao mesmo tempo, é consumido pela culpa. A angústia que carrega não se dissipará nem em mil anos."
Sobre a escolha de Santos como principal locação do filme, além da ligação de Drácula como personagem com os portos e regiões portuárias, Burlan pontuou que "zonas aduaneiras, de passagem, sempre me inspiram. Nosferatu está em fuga, perdido, vagando de porto em porto. Mas o filme é atemporal, não tem relação direta com geografismos".
A produção de Nosferatu é uma colaboração entre Bela Filmes e Gaia Ki Produções. O roteiro ainda é assinado por Cristiano Burlan, Emily Hozokawa e Fernanda Farias.
fotos de Marina de Almeida Prado (@marina_aprado)
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