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[Streaming e VOD] A Garota da Agulha

Foto do escritor: Lorenna montenegroLorenna montenegro

Atualizado: há 4 dias

Direção: Magnus Von Horn




A história de uma serial killer já causaria comoção de cara, já que mulheres que são assassinas seriais são mais raras na história, considerando que o impulso primal para a violência é masculino, resultado das relações de poder e subjugação como postulou Foucault. Em A Garota da Agulha, o que o diretor e roteirista Magnus Von Horn faz para retratar a crueldade humana é penetrar na escuridão, nos tons de preto e de branco que tornam a Copenhague de 1919 num lugar inóspito e solitário, para contar uma história surreal (e visceral) sobre mulheres abandonadas num mundo que as odeia, num mundo que é "um lugar horrível mas que precisamos acreditar que não é".


Importante a anotação de que Von Horn tem uma co roteirista, Line Langebek, com quem ele optou, como assinalado na entrevista ao site Filmmaker Magazine, por abordar a história de assassinatos de bebês e dor a partir da relação entre duas mulheres: Karoline (Vic Carmen Sonne) e Dagmar (Trine Dyrholm), que se conhecem ao acaso, num dos banhos públicos da cidade. Ocorre que Dagmar impede Karoline de matar o bebê que gesta e morrer no processo. Ela estava portando uma agulha de crochê e a partir desse episódio, Dagmar a tem como uma protegida e passa a chamar Karoline de "A Garota da Agulha".


Mas é praticamente no começo do segundo ato do filme que o encontro entre as duas mulheres desgarradas da sociedade ocorre, consideradas “não respeitáveis” - uma delas, a mais velha, que vive com a filha de seis anos e recebe a visita de homens mais jovens em sua casa; encontrando quase que uma alma gêmea na mais nova, abandonada grávida pelo patrão da fábrica de tecelagem onde trabalhava. A Garota da Agulha inicia de uma forma mais branda, tratando do romance de Karoline com o burguês, a ida dela até a casa da futura sogra e a consequente rejeição por não ser uma mulher pertencente a mesma classe social. Também surge na trama, o ex-marido dela, que pensava ter morrido na Primeira Grande Guerra, que se refugiou e conseguiu emprego num circo por ser agora visto como uma aberração (e o conceito que ele carrega é de uma sensibilidade atroz por parte dos roteiristas).


Karoline foge da possibilidade de ter uma família e refazer o casamento, foge de uma vida que não escolheu para si e cai no colo de Dagmar. Amamenta inclusive a filha desta, Erena (Ava Knox Martin) para estimular a lactação e assim ter um trabalho no serviço de receptação e “venda” para adoção de recém nascidos rejeitados pelas mães, desesperadas.


A aridez e opressão que decorrem do preto e branco, da montagem cheia de closes nas faces das personagens, nos detalhes dos ambientes, na insalubridade da cidade, concatenam perfeitamente com a trilha sonora “industrial” de Frederikke Hoffmeier - que não faria feio dentre os indicados ao Oscar na categoria -, que apavora e aprofunda a sensação de transe ao longo da projeção. A Garota da Agulha é um pesadelo que tem sua concretude na dureza da realidade daquelas mulheres, nem um pouco aliviada para os espectadores por Von Horn.


Nesse filme de época, ecos de O Homem Elefante, do cinema de Murnau e dos dois filmes finais de Dreyer - Ordet e Gertrudes - na elegância da fotografia, o arrojo nos planos, nos cortes e movimentos de câmera que evocam uma lisergia alternada a uma austeridade da imagem. O cineasta sueco radicado na Polônia (onde A Garota da Agulha inclusive foi filmado) tem muita consciência da sua autoria e não realiza uma experimentação cinematográfica displicente mas sim, um filme rígido, controlado e que transborda tristeza; é perene a forma como Von Horn não cria pontos de respiro no enredo, não dosa a crueza da difícil verdade que a câmera revela na terça parte do filme. O mundo não é um lugar bonito, ainda que plasticamente o filme seja um deleite para os olhos e os sentidos, embaralhados pela percepção de Karoline, ora drogada, ora entorpecida pela dor de viver sem ter um alívio em meio ao sofrimento.


Essa pequena obra-prima é não só um dos grandes filmes da temporada mas uma experiência de cinema que transcende a racionalidade, ao ilustrar um conto moral sobe uma realidade depressiva e opressiva, onde a sociedade pratica a barbárie contra mulheres e forma monstros visíveis e invisíveis, aprimorando os costumes misóginos que fortalecem o domínio patriarcal e em tempos tão inóspitos como os de hoje, vem ecoando um passado que reverbera o quanto a injustiça ainda circunda a vida das mulheres, que não são enxergadas como parte da humanidade.



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