Disney/Pixar
2023
Direção: Peter Sohn
Desde 1995, a Pixar Animation Studios vem construindo uma sólida reputação no mercado audiovisual com filmes que são sucesso de público e de crítica, cuja grande potência é a conexão emocional com a história por meio dos personagens memoráveis que criam. A fórmula do sucesso vem sendo seguida à risca, para criar o que o estudioso Karl Iglesias chama de “núcleo emocional da história.” E vai sendo até prazeroso observar como nas produções do estúdio, certas características se repetem: a admiração pelo personagem por suas sucessivas tentativas e não necessariamente por obter o sucesso; mostrar o que é interessante para o público saber sobre o personagem mantendo a simplicidade, o foco e evitando atalhos; algumas situações de trapalhadas ou revezes que ocorrem por coincidência; bons motivos para torcer pelos personagens - são mais de 20 tips que Iglesias identificou nos filmes da Pixar e que ajudam a manter o padrão de qualidade em alta.
Chega-se então a Elementos, a mais nova produção da Pixar/Disney comandada por Peter Sohn, animador do estúdio desde 2000 e que dirigiu O Bom Dinossauro em 2015. Elementos, que estreou no último festival de Cannes como o filme de encerramento, énum romance com pitadas de drama e aventura. A história do filme foi desenvolvida por Kat Likkel, Brenda Hsueh, John Hoberg e o próprio Sohn. Ele inclusive dedica o filme aos seus pais, imigrantes sul coreanos que se sacrificaram para poder ter uma vida melhor e proporcionar um futuro mais brilhante para o filho.
Bem vindos ao mundo da cidade elemento, onde os residentes são pessoas elementais de Ar, Terra, Água e Fogo. Faísca (no original, Ember) é uma impetuosa jovem de fogo, que mora com os pais e administra a loja de fogo junto com eles. De forma acidental, ela inicia um alagamento na loja e conhece Gota (no original, Wade), um cara da água atrapalhado e emotivo. Unem forças para desvendar um mistério por trás dos vazamentos de água que ameaçam a vila do fogo, localizada numa área periférica e afastada da cidade dos Elementos. Eles invariavelmente se apaixonam, para alegria da família ricaça de Gota e total rejeição dos pais de Faísca, que acreditam que “elementos não se misturam”, que um simples abraço entre eles pode fazer ela derreter e ele evaporar. Eis o dilema, que é uma forma de Peter Sohn abordar, na melhor tradição da Pixar, temas importantes de uma forma lúdica - como a intolerância, o ódio ao diferente e o racismo.
O trabalho plástico visto no filme é impecável como sempre, deixando os olhos confortavelmente passeando pelos cenários lindos da cidade Elemento e pelo design dos personagens - como a água é maleável, Gota e aqueles que pertencem ao elemento tem uma fluidez; já Faísca e as pessoas de fogo soltam fumaça e tem um traço com fagulhas saindo do cabelo, das mãos e dos pés enquanto que as criaturas de ar mudam também de dimensão e são aparentemente fofinhas, as de terra são repletas de grama e flores.
A trilha de Thomas Newman, filho e herdeiro l do compositor Alfred Newman e criador da trilha de Wall-E, faz um feijão com arroz bem feito. Que leva às lágrimas nas horas necessárias como quando Faísca precisa decidir que destino quer pra si ou quando a vila está correndo perigo iminente de inundação.
Mas quando a atenção se volta para o storytelling da Pixar em Elementos, parece que a fórmula não está funcionando tão bem quanto antes. A heroína, que aqui na metáfora é uma imigrante oriental - as vestimentas dela e dos pais trazem certa identidade cultural da região -, que tenta se adequar as tradições mas, pelo ímpeto da idade e de entender quem quer ser, acaba se envolvendo com um elemento proibido e transgride as regras do seu mundo. Ela passa pelas etapas de rebelião, aceitação, sacrifício e comunhão, sim. Essas etapas são englobadas nas características comentadas no começo desse texto e repetidamente usadas por criadores como Pete Docter (Divertidamente, Soul, Up! Altas Aventuras), Andrew Stanton (roteirista de Procurando Nemo e Toy Story, diretor de Wall-E) e Domee Shi (de Red). Mas por que elas necessariamente não funcionam a serviço da história de Elementos? Talvez seja a hora de adicionar um novo elemento a mistura?
Porque por mais bem realizado que seja e que trate de temas relevantes como uma obra de animação que quer ser consumida por um público amplo, Elementos não chega a ser um salto de fé em direção à modernidade, modernidade essa que a Pixar tanto representou no mundo do cinema e da animação e que almeja seguir representando. Elementos carece de maior representatividade como em Luca, de profundidade narrativa como Soul, de densidade dramática como Divertidamente. A dinâmica social em Elementos, é pouco ou quase nada explorada, tirando o fato de que Sohn mostra o dilema das pessoas de fogo que tem que sair do seu lugar de origem, a Terra do Fogo, ameaçada por desastres naturais, para tentar viver na cidade de Elementos - construída pelos primeiros seres elementais, os de água, que posteriormente recebem os seres de terra e de ar e com os quais convivem em plena harmonia -, se para por aí. Toda a discussão que poderia advir da gentrificação das grandes cidades, da falta de integração entre periferia e centro, passam a largo. A história peca por uma falta de profundidade temática e densidade dramática, que é tão característica da Pixar como o é de outros grandes estúdios de animação como o Ghibli ou o Laika, que preservam a autoralidade e investem no tal do núcleo emocional da história com destreza.
Elementos poderia ser propositivo e memorável na manutenção do padrão de qualidade da Pixar mas do jeito que é, é uma experiência de cinema esteticamente bela e emocionalmente esvaziada, que não dura, que logo evapora - como o arco íris que se forma no céu após uma chuva de verão.
Avaliação: ❤️❤️❤️❣️
*o coração cheio equivale a 2 e o coração pequeno equivale a 1. A maior pontuação são 5 corações cheios.
Muito bom e que seja um sucesso!!!!