[Salas de Cinema] Maré Alta
- Lorenna montenegro
- 20 de mar.
- 3 min de leitura
Direção: Marco Calvani
Roteiro: Marco Calvani

Inspirado na própria experiência de Marco Pigossi como imigrante nos EUA, que envolvem vários tipos de preconceito como a xenofobia e a homofobia - o ator inclusive, só saiu do armário anos depois de se entender como gay, o que adiciona mais camadas a esse filme, Maré Alta, que produz e atua no papel principal sob a direção de seu marido, Marco Calvani. Premiado em 2024 no Festival Mix Brasil, onde arrebatou o troféu de júri popular, também foi produzido pela atriz ganhadora do Oscar Marisa Tomei (de Só Você e o Lutador), que faz uma participação especial, pequena ainda que significativa, como uma artista solitária que nunca desistiu do amor. Ela diz:
"É inevitável. Você pode acabar partindo o coração de alguém no caminho para abrir o seu próprio coração".
Morando e trabalhando num paraíso gay, o balneário de Provincetown, o imigrante brasileiro lida com as consequências de ter sido trazido para o país pelo namorado americano, que resolve terminar a relação e ir embora. E a jornada de Lourenço, o personagem principal, é cheia de espinhos, de experiências difíceis, de desalento, de abandono, de mentiras e também de paixão, de novas conexões, de amizade - mas um certo moralismo religioso também está ali, o que provoca um certo incômodo na forma em que o discurso do filme apresenta o estudo dessa personagem e estrutura a sua curva narrativa. O que também não ajuda, apesar da visível entrega e boa atuação de Pigossi, ainda suportado pelos ótimos Bill Irwin (Scott) e James Bland (Maurice), é a natureza um pouco insípida da direção, que podia ser mais inspirada e trazer as repetições na rotina de Lourenço paulatinamente distintas pela entrada de Maurice em cena. Na realidade, todos os aspectos técnicos do filme são pálidos, executados corretamente mas longe de estarem bem executados.
O que provoca a conexão emocional em Maré Alta, ainda que talvez de forma um tanto maniqueísta, é a trilha super presente assinada por Sebastian Plano, que demarca os momentos de maior êxtase sexual entre Lourenço e Maurice e todo o calvário punitivo que marca a terça parte final do filme, com o imigrante lidando com as consequências com uma noite de sexo e drogas para evitar aprofundar um vínculo com o ficante. Pena que a construção seja, além de atropelada, constituída quase como uma punição ao protagonista, por ter sucumbido a promiscuidade e ao vício; e o mesmo pode se dizer para o racismo velado cometido por Scott contra Maurice, que fica ali, como um breve comentário e não como algo que forma a identidade de cada um deles.
"O único lugar para onde eu realmente quero ir é para casa. Mas eu não quero"
Coração dramático da trama, o drama que envolve Lourenço e a mãe que ficou no Brasil mas com quem fala com frequência por video chamada, que acha que o filho está estudando em Harvard e bem de vida, é abordada lateralmente e perde sua força frente a outras situações mais ou menos conflituosas que se somam na vida do personagem. E aí reside um problema primordial de roteiro, na escolha das tramas principais, secundários, subtramas e na correlação das mesmas no enredo. Ao fim, Maré Alta provoca uma marolinha, invés do turbilhão de emoções que poderia ter provocado ao lidar com uma história tão universal e tocante sobre pertencer e ser quem se é de verdade.
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