[Festivais e Mostras] Se Eu Tivesse Pernas, Eu Te Chutaria
- Lorenna montenegro
- 13 de out.
- 3 min de leitura
Atualizado: há 2 dias
Direção: Mary Bronstein
Roteiro: Mary Bronstein

Esse não é um filme sobre a maternidade como um desafio as convenções patriarcais, não mesmo! A mãe aqui não está cansada, ela está exausta e sua sanidade já foi comprometida. Ela delira entre os embates com os pacientes (pois ainda é uma integrante da classe trabalhadora que atua como psicanalista) e com a filha, uma criança cheia de carências afetivas e melindres típicos da idade. E ela simplesmente não aguenta mais o peso do mundo sob os seus ombros - até que ele desaba. Esse é Se Eu Tivesse Pernas, Eu Te Chutaria.
A tour de force aqui é performada por Rose Byrne, que, como um vulcão, se apodera e se empodera como personagem feminina afirmativa: sua Linda é uma terapeuta que, entre lidar com uma série de pacientes e com os seus próprios problemas emocionais e traumas, tem que cuidar de uma filha pequena, que sofre de um problema crônico de saúde e é cronicamente carente - e isso sem contar com o pai da criança, que trabalha viajando. Uma atriz superlativa, premiada aos 20 anos com a Copa Volpi em Veneza por um filme feito em sua Austrália Natal [A Deusa de 1967] e que, mesmo tendo tanto anos de estrada na indústria do cinema, foi deixada de lado por muitos críticos e cineasta que talvez a tenham menosprezado pelos seus dotes cômicos (vai saber) rs.
Curioso é que uma das longlines do filme de Clara Law é “a existência de uma mulher no sofrimento” e esse lema conecta, 25 anos depois, o trabalho de construção de personagem de Byrne em “Se Eu Tivesse Pernas” pois, longe de ser um drama trágico, o filme ironicamente constrói a dor tragicômica de ser uma mulher de meia idade que precisa carregar o mundo sob seus ombros “porque sim” e Bronstein, diretora e roteirista, usa metáforas visuais e psicológicas fantásticas para ilustrar a palatina derrocada mental de Linda.
Primeiro que a escolha de não mostrar a filha nem dar nome a ela - só ter a voz da atriz Delaney Quinn transmitindo humanidade na caracterização - é uma dispositivo narrativo genial pois não tira a atenção e o foco de Linda e nem a desumaniza a enxergando como mãe invés de uma mulher tendo ataques constantes de nervos que é mãe, esposa e psicológica. Segundo que a narrativa linear mas fragmentada, com várias interdições de delírios mentais figurativos dela, provocam um mergulho no estudo de personagem com uma profundeza raras vezes vista no cinema contemporâneo. A interação de Linda com outras personagens interessantes também ganha mais espaço e a torna uma personagem com camadas outras além da maternidade, por mais que o dilema envolvendo uma de suas pacientes, Caroline (Danielle McDonald) também ocorra por conta da estafa da maternagem.
Entre o hedonismo e a catástrofe “Se Eu Tivesse Pernas” navega pela vida de Linda que tem que deixar seu apartamento belo e amplo pois uma parte do teto desabou e tem uma cratera que precisa ser consertada. Ela resolve então ir com a filha, que precisa usar aparelhos e ser alimentada através de uma sonda, para um hotel de beira de estrada meio precário. Só que de forma meio surreal, o conserto se arrasta e vira uma novela, e o marido ausente, Charles, quer que ela dê conta disso, da filha e do trabalho. Ele é uma voz insistente no telefone e além disso, ela ainda tem várias pessoas, conhecidas e desconhecidas, orbitando ao seu redor. Aquele buraco no teto, um buraco negro, se torna uma metáfora para o estado mental precário dela, que resolve se afogar de madrugada para por fim ao tormento. Mas aí, como uma supernova, um plot twist quase no final (com uma revelação!) é como um renascimento ou uma nova compreensão que Linda adquire sobre si.
As ótimas atuações de A$ap rocky e Conan O’Brien como coadjuvantes que servem (ou deveriam servir) de suporte emocional para a protagonista conseguem nuançar ainda mais a atuação de Rose Byrne, que vai aos extremos do humor - euforia e depressão - mas sem nunca soar histriônica ou fora do tom. Sua Linda é como Uma Mulher Sob Influência mas sem a ferocidade de Mabel ou a letargia da Tully de Charlize Theron. É um outro tipo de personagem que surge aqui e se cristaliza junto a esses tipos memoráveis de mulheres mentalmente exaustas que o cinema norte-americano retratou.



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