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[Salas de Cinema] Sorry, Baby

  • Foto do escritor: Lorenna montenegro
    Lorenna montenegro
  • há 18 horas
  • 4 min de leitura

Atualizado: há 12 horas

Direção: Eva Victor

Roteiro: Eva Victor



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Agnes (Eva Victor) é uma jovem acadêmica que leciona literatura numa universidade prestigiada. A vida parece estar tranquila mas o que Lydie (Naomi Ackie), a melhor amiga dela, em visita, observa, é que Agnes está num isolamento profundo. Não sai de casa, onde mora com uma gatinha, e ocasionalmente encontra o vizinho meio bobo, Gavin (Lucas Hedge), para transar. O humor rascante, doloroso, que move a vida após o trauma vivido por Agnes é o que torna Sorry, Baby tão envolvente.


“Três anos não é tanto tempo assim. Eu sei que você está com medo mas você está bem. “ - Pete (John Carroll Lynch)

Qual foi o trauma? Bem, Agnes foi vítima de um estupro e as marcas emocionais dessa violência são mais profundas do que ela imaginava, por mais que não verbalize. Construído na simplicidade dos dramas indie, com uma direção correta, um roteiro esplêndido, uma protagonista peculiar e um naturalismo que fez a curadoria de festivais como Sundance se encantarem, esse filme é carta de visitas da promissora criadora Eva Victor, atriz, escritora e diretora franco-americana que vive a personagem principal e faz sua estreia como cineasta.


E essa estreia já vem colhendo louros, com Sorry, Baby recebendo uma indicação ao Globo de ouro para Eva como melhor atriz de Drama. Em entrevista para a Time Magazine, ela comentou sobre como tentou achar o tom para encarar com seriedade mas também com humor algo tão grave e absurdo como a violência e o assédio sexual: “eu não queria de forma alguma usar um tom pesaroso para tratar do assunto assim como busquei não explorar a situação de forma que deixasse a lembrança, para quem já passou por algo parecido, mais dolorosa", pontou. Barry Jenkins, o genial diretor de Moonlight e Se A Rua Beale Falasse, funcionou como uma especie de patrono de Eva, a incentivando a mandar roteiros para sua produtora, Pastel, que acabou produzindo Sorry, Baby. A carreira do filme começou muito bem com o Waldo Salt Screening Award em Sundance, um reconhecimento para ela como autora e que possibilitou que a A24 fizesse uma proposta de 8 milhões de dólares para assumir a distribuição.


E Sorry, Baby vem fazendo um barulhinho bom com quase 3 milhões de dólares em bilheterias e mais várias indicações para Eva Victor como atriz e roteirista, no Gotham Awards e no Critics Choice Awards. Bom, o filme em si foge de ser formulaico por mais que, na superfície, aparente ser mais uma dramédia ou um drama com humor irônico que o cinema norte-americano já produziu e segue produzindo aos borbotões, muitas vezes sem qualidade. Por mais que certos clichês irritem, como Natasha, a personagem que sente inveja de Agnes e a fica perseguindo, que jura que está disputando a atenção do professor/assediador Preston Decker, eles não ofuscam o brilho da construção de Eva Victor. E a dinâmica da sua personagem com a de Ackie, Lydie, é um bálsamo, rendendo ótimos momentos assim como a cena singela com diálogo profundamente honesto e acolhedor que ocorre na calçada da lanchonete de Pete (John Carroll Lynch), que se segue a cena em que ele a ajuda a sair de uma crise de pânico.


Eva Victor opta, ali, pelo entremeio do segundo ato de Sorry, Baby, por preservar a sua personagem e assistir de longe, com a câmera enquadrando a casa de Preston Decker a distância de uma quadra. É quando Agnes entra pela porta, o dia passa a ser entardecer até que vira noite e ela sai, sem se despedir, se calça, totalmente desorientada e passa pela câmera. O estupro aconteceu ali e a nossa espectatorialidade alcança essa sugestão e compreende o fato. As sutilezas do roteiro eventualmente são trocadas por momentos meio de comédia bufa, com a clara expressão de irritar, como na cena em que Agnes é recebida por duas mulheres que trabalham na universidade e que repetem várias vezes estar do lado dela e em defesa das mulheres mas que reiteram que o professor já havia se desligado da instituição de ensino quando cometeu o ato criminoso.


"Haverá um ano em que haverá um mês, em que haverá uma semana em que haverá um dia em que haverá uma hora em que haverá um minuto em que haverá um segundo e dentro do segundo haverá o não tempo sagrado da morte transfigurada" - Clarice Lispector

Precisando escrever para se sentir viva, a já enferma Clarice Lispector pariu o romance Um Sopro de Vida, que Eva Victor coloca como uma influência central para seu filme, assim como Ao Farol de Virginia Woolf e, obviamente, Joan Didion - já que o filme segue uma divisão em capítulos inspirada em O Ano do Pensamento Mágico: O Ano Com o Bebê, O Ano Daquela Coisa Ruim e O Ano Com Os Questionamentos, ah e o epílogo novamente com O Ano Com o Bebê. Levando a vida coberta por um véu de melancolia um ano, dois anos, três anos após a dor que sofreu, Agnes não descobriu um diagnóstico de câncer como Clarice mas tentou suicídio como Woolf - que acabou concretizando quando entrou no Rio Ouse em 1941 - e, como Joan Didion, tentou achar algum sentido em não sucumbir a auto piedade e, como sinceridade, se questionar como viveria dali em diante. Narrando como se estivesse escrevendo um diário, Eva faz de Sorry, Baby um capítulo significativo do cinema independente feito nos EUA e da safra do ano de 2025.





 
 
 
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