[Salas de Cinema] Uma Batalha Após A Outra
- Lorenna montenegro
- 23 de set.
- 5 min de leitura
Atualizado: 28 de set.
Direção: Paul Thomas Anderson
Roteiro: PTA

O que um grupo revolucionário que combate a polícia anti imigração, outro grupo de políticos supremacistas e eugenistas, freiras guerrilheiras e um triângulo amoroso de consequências explosivas tem a ver? Todos são ingredientes do imparável, impagável e absolutamente genial novo filme de Paul Thomas Anderson (o PTA), Uma Batalha Após a Outra. A história segue Patt/Bob (Leonardo DiCaprio), um especialista em bombas que integra o grupo French 75. Uma espécie de Lebowski esquerdista/marxista revolucionário, ele assiste ao clássico A Batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo, enquanto fuma (mais um) beck e avisa a filha que ela não deve voltar tarde do baile da escola. Sob uma nova identidade, ele e a menina, uma adolescente de 16 anos, chamanda Willa (Chase Infiniti), vivem camuflados numa pequena comunidade até que o alucinado Coronel Lockjaw (Sean Penn) reaparece em suas vidas para um acerto de contas.
Operando uma escala dramática impressionante, que só encontra ecos em filmes épicos da sua filmografia como Sangue Negro e O Mestre, o cineasta norte-americano empreende no ramo da ação com uma narrativa que começa muito acelerada, sucedendo os eventos que levam ao coração da vida e do trabalho arriscado do casal Patt/Bob e Perfídia (Teyana Taylor), revolucionários que integram um grupo adepto da luta armada que realiza operações para libertar imigrantes detidos por um governo fascista nos EUA; e o estranho encontro entre Perfídia e o militar cheiradaço Lockjaw, em decorrência dessas relações, ela engravida de Charlene aka Willa, mas tem depressão pós parto e resolve deixar Bob sozinho com a criança. É detida após uma tentativa de assalto a banco, colocada num programa de proteção a testemunha por Lockjaw, dedura seus ex-companheiros de luta e faz sua família fugir e assumir uma nova vida. Uma passagem de 16 anos coloca então Uma Batalha Após A Outra no tempo presente, guardadas as devidas proporções, na Era Trump, com outro nome mas com semelhanças indeléveis com a realidade.
Mas voltando ao Dude de O Grande Lebowski, o personagem central do filme dos irmãos Coen, vagamente inspirado naquele que seria considerado o primeiro romance noir da história - Sono Eterno, de Raymond Chandler - possui tão somente semelhanças visuais com o guerrilheiro vivido por Leonardo DiCaprio em Uma Batalha Após a Outra. Em realidade, tudo revolve em torno de Thomas Pynchon, o autor que Paul Thomas Anderson obsessivamente referencia e até adapta, como o fez em Vício Inerente, que é Pynchon interpretando Chandler através de um espelho e com a distorção gerada, cria um pastiche dos filmes de detetive. Pynchon, um dos grandes nomes da literatura norte-americana e considerado por muitos o grande nome da contracultura, abençoou PTA como próprio contou, em entrevista ao site The Playlist, para extrair os elementos que lhe interessavam em Vineland e integrá-los a uma trama protagonizada por um revolucionário e que tivesse cenas de perseguição de carros. Assim, Frenesi, uma cinerrevolucionária com uma sexualidade latente, se tornou Perfídia (e a personagem do filme guarda as mesmas características, o que, em se tratando de uma mulher negra, pode ser sim uma concepção um tanto estereotipada), o hippie Zoyd se tornou o maconheiro trotkista Patt ou Rocket Man e o promotor federal Brock Vond, passou a ser o Coronel Lockjaw. Os dois personagens masculinos enlouquecendo de paixão e de desejo pela heroína enquanto lidam com a ameaça do terrível Tubo - a onipresente TV vigilante.
“Realisticamente, para mim, adaptar ‘Vineland’ seria muito complicado. Em vez disso, roubei as partes que de fato ressoavam comigo e comecei a juntar tudo e eu vinha puxando todos esses fios diferentes, e, de certa forma, nenhum deles jamais me abandonou” - PTA
Sai a TV que tudo vê, sendo substituída pelo clima de controle advindo da recriação da realidade paranóica dos Estados Unidos presente nos livros de Pynchon e na realidade atual, onde PTA constrói uma narrativa delirante mas não ao ponto de ser inverossímil, onde toda a perseguição em tela ressoa no comentário político explosivo presente em cada frame e em cada linha de diálogo do filme.
“Ocean waves”
E o que dizer da dupla formada por Patt/Bob e o sensei vivido de forma tranquila e poderosa por Benício Del Toro? Chapadões na Estrada - reverberando aqui e ali um Medo e Delírio em Las Vegas - ou se preparando para a luta armados de um velho rifle e táticas de fuga, já que o mestre do Dojo onde Willa treina é em realidade um herói silencioso, que dá abrigo a dezenas de refugiados extraditados e perseguidos pela polícia anti imigração. A ação em Uma Batalha Após a Outra é sequencial e ininterrupta, com PTA elaborando inclusive uma sequência de skatista adeptos do parkour que precisam guiar o personagem de DiCaprio até o carro mas ele, penosamente, na tentativa de acompanhar os saltos e rolamentos pelos telhados da cidade, sucumbe. E o que dizer da maestria do cineasta, ao utilizar o malfadado drone - que ainda não tem foi codificado na gramática do cinema como a grua, por exemplo e serve de muleta que emula um plano divinal/aéreo para gente sem talento - como a perspectiva de um helicóptero que persegue Perfídia antes de ela ser encurralada e presa?
Existe um jogo de espelhamento entre Uma Batalha Após A Outra e O Agente Secreto, que por hora são os dois grandes front runners nessa temporada de premiação; filmes que estilisticamente são arrojados e fazem uma mixagem de gêneros narrativos com comentário político articulado com o zeitgeist. Talvez, no caso do filme de PTA, o incômodo se resuma a forma com que a personagem de Teyana Taylor, a guerrilheira Perfídia, demonstra um tesão absurdo pela revolução e pela violência. A maneira como a sexualidade dela se manifesta em todas as cenas da personagem é um tanto perturbadora. E como ela sai de cena, sem deixar vestígios e só reaparecendo como uma voz off numa carta, também gera um vácuo dramático na trama.
Mas como as sinuosidades e subidas/declives da estrada onde ocorre o clímax do filme, uma perseguição seguida de tiros certeiros entre os personagens de Di Caprio, Chase Infiniti e Sean Penn, Uma Batalha Após A Outra vai desvelando a sua complexidade enquanto realização cinematográfica, abraçada pela decupagem magistral de PTA, auxiliada pela montagem de Andy Jurgensen, a grandiloquente e esquisita trilha de Johnny Greenwood e a fotografia hipnótica de Michael Bauman. O cineasta norte-americano, como um regente e um articulista da pós modernidade, realiza talvez seu filme mais incessado pela crítica e que, como pólvora, fulmina a filosofia trumpista. Se o cinema é uma arma capaz de aprisionar ou libertar as consciências como dizia o historiador Wagner Pinheiro Pereira, Uma Batalha Após A Outra supera a insipiência da indústria Hollywoodiana numa demonstração que o cinema de autor ainda faz a diferença para o bem da arte.



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