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[Salas de Cinema] Sing Sing

Foto do escritor: Lorenna montenegroLorenna montenegro

Atualizado: 27 de fev.

Direção: Greg Kwedar

Roteiro: Clarence Maclin, John Divine G Whitfield, Clint Bentley e Greg Kwedar




Homens aprisionados, se libertam das amarras do sistema e das armadilhas das suas mentes, dos pensamentos repletos de angústia e de espera, para sonharem e darem vida a personagens shakespearianos. Para terem um momento onde é possível viver uma outra vida, escapar da prisão, mesmo que mentalmente. Alcançar a transcendência fazendo arte. Esses são os detentos que estão na prisão de Sing Sing e participam do grupo de teatro que integra o programa “Rehabilitation Through the Arts” (Reabilitação pelas artes).


Um dos mais antigos participantes e atual coordenador é o expansivo Divine G (Colman Domingo), que funciona como uma espécie de mentor para os que chegam no grupo e também é um intelectual que pensa sobre as montagens e até escreve algumas peças. Ao lado de Mike Mike (Sean San Jose), Divine G vai apresentando os outros personagens que participam do programa de teatro, dirigido pelo doce Brent Buell (o sempre magnífico Paul Raci), sendo que só vai ser possível descobrir, quando os créditos do filme sobem, que eles interpretam a si mesmos: Sean Dino Johnson, Dap Giraudy, Mosi Eagle, Preme Griffin e James Big E Williams.


Pier Paolo Pasolini dizia que era impossível para um ator burguês fingir que era um operário ou agricultor, portanto ele pegava pessoas do povo para atuar em boa parte dos seus filmes. A sinergia perfeita entre os atores profissionais e os não atores (ou atores não profissionais, já que eles atuam na companhia teatral prisional) é um dos grandes trunfos de Sing Sing. Raci está num papel mais à parte, como interlocutor e diretor da montagem porém Mike Mike - que colabora criativamente há mais de 30 anos com Domingo - e o protagonista do filme estão tão à vontade que se amalgamam aos outros.


E vale uma nota de atenção: o que Colman Domingo faz em Sing Sing é magia. Uma entrega desmedida e generosa, que leva o seu Divine G de uma criatura solar, de fala plácida e semblante cálido, para um ser alquebrado pelo sistema penal que insiste em o desumanizar e injustiçar. Preso por um crime que não cometeu - realmente - mas faltando materialidade de provas que o inocentem, ele vai, placidamente, aguardando por um julgamento e uma guinada da sorte. E nesse momento um furacão entra em sua vida e na da trupe.


Divine Eye é Clarence Maclin, aqui revivendo a própria história com entrega e o brilho de um grande ator; um dos roteiristas de Sing Sing, ele reconta seus dias/meses/anos no sistema prisional estadunidense enquanto traça para o seu personagem uma jornada de transformação tão comovente quanto verossímil. Divine Eye é um ‘tough life’, um bandido, que trafica do lado de dentro da prisão inclusive. Ele mesmo se descreve, para afastar qualquer possibilidade de vínculo com Divine G, como um. Mas ao ter contato com os exercícios de improvisação e com a dinâmica do grupo de teatro, vai baixando a guarda. Até que resolve que irá fazer Hamlet, o príncipe da Dinamarca. E descobre que pode voar.


Existem dezenas de filmes, norte-americanos, europeus e até brasileiros, que falam de companheirismo atrás das grades. Até mesmo a questão da reabilitação pelas artes já foi abordada antes no cinema - A Noite do Triunfo, de 2022, por exemplo. Se “prision” é um subgênero, como alterar suas convenções? Não estereotipar e desumanizar mais ainda homens e mulheres encarcerados? A reposta: com sensibilidade artística.


Sing Sing constrói um vínculo genuíno entre espectadores e personagens e entre personagens vividos por atores profissionais e personagens reais, resultando numa obra de tessitura narrativa clássica, linear, com direito a uma breve passagem de tempo mas que nunca deixa de emocionar. Os momentos de conversas, de trocas e de confissões do grupo de teatro são ouro puro. Mike Mike relembrando o sonho de liberdade, abruptamente interrompido, já configura uma das sequências mais marcantes do cinema nessa temporada.


Divine G, também autor do roteiro e ex-detento, inspira Colman Domingo de tal forma que o ator natural da Filadélfia entrega a atuação masculina do ano e mantém uma regularidade impressionante numa carreira que já podia ter sido agraciada com prêmios. A mão dele na janela vazada do corredor, tentando alcançar o mundo exterior enquanto olha, melancólico, imaginando a vida do lado de fora. A simbologia do envelope grosso e do envelope fino, contendo o papel da soltura, que ele espera de forma obcecada e esperançosa, dia após dia, nutrem uma performance maiúscula, cheia de nuances, que vai da doçura, do regojizo até a raiva incontida.


Como versa a música de Adrian Quesasa e Abraham Alexander, indicada ao Oscar, “buscando por uma fé que não está ali, tentando alcançar a paz mesmo sem voz / só se as paredes pudessem falar para dizer da dor que sinto / que alguém me liberte, seja vento sob as minhas asas”. Os acordes iniciam na cena final, quando Divine G e Divine Eye, irmanados, buscam um recomeço.





 
 
 

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