Direção: James Mangold
Roteiro: Jay Cocks

Cate Blanchett já foi Bob Dylan. Christian Bale já foi Bob Dylan. O saudoso Heath Ledger também já foi Bob Dylan. Até Richard Gere já foi Bob Dylan. Sob a descrença de muitos (incluindo o amigo Oscar Isaac, que deu vida ao cantor de música folk Llewyn Davis, o rei do Greenwich Village), Timothée Chalamet agora é quem encarna Bob Dylan e o faz de uma forma tão natural e suave que faz parecer que nem atuando está.
“Venham, escritores e críticos, que profetizam com suas canetas
E mantenham seus olhos abertos, a chance não virá novamente
E não falem cedo demais, pois a roda ainda está girando
E não há como prever quem ela irá escolher
Pois o perdedor de agora logo mais irá vencer
Porque os tempos, eles estão mudando”
Seja entoando versos como os da canção The Times They Are A-Changing, o bardo que rompeu com a folk music quando resolveu por uma guitarra elétrica no arranjo de suas canções, é uma incógnita como personagem nesse filme de James Mangold. Justo dizer que Um Completo Desconhecido tem a ingrata tarefa de ser uma cinebiografia inspiracional, que reflete sobre os EUA de hoje a partir de como Dylan se tornou a voz de uma geração que se rebelou contra o conservadorismo, a guerra, a tradição. Mas ao optar por um período na vida do músico que já foi exaustivamente documentado - incluindo dois documentários feitos por um cineasta da envergadura de Martin Scorsese -, o cineasta, responsável pelo bom Johnny & June, fica dando sucessivos murros na ponta de uma faca.
Um dos elos mais fracos de Um Completo Desconhecido é a relação entre o Dylan de Chalamet e o obsoleto Peter Seeger, um cantor folclórico e popular que não entende que seu tempo já passou. Acolhedor, ele meio que ajuda a alavancar a carreira do recém-chegado jovem na cena folk, após o haver conhecido numa visita hospitalar ao enfermo Woody Guthrie, esse sim, o grande herói de Bob Dylan. O que piora tudo é que a Edward Norton não brilha como Seeger, na verdade sua composição é um tanto constrangedora pelo excesso de maneirismos, enquanto que Scott McNairy faz algo bem difícil e bem feito na pele de Guthrie, que apresenta dificuldade na fala mas é muito expressivo no olhar. E seria Monica Bárbaro realmente uma revelação como a destemida Joan Baez? Ela é uma atriz com presença magnética mas talvez sua atuação seja um tanto superestimada pela crítica especializada estadunidense. Ellen Fanning, que não anda tendo nenhum tipo de buzz, faz a namoradinha de Dylan (inspirada em Suze Rotolo), Sylvie, de uma forma tão inspirada quanto a indicada ao Oscar.
Mas voltando ao protagonista Dylan/Chalamet, a linha narrativa de Um Completo Desconhecido cobre quatro anos da vida em NY e na estrada do mítico artista; ele este ali, onipresente na história de construção mitológica e gênese. Porém, em poucos momentos do filme a vulnerabilidade ou mesmo a incredulidade de Dylan perante o mundo, sua carreira, aquilo que os outros desejam de si e quem ele quer ser de fato aparecem e tomam forma, ficando sempre cobertas por uma aura “cool” e de uma certa indolência do personagem, que talvez denote as dúvidas que pairaram pela cabeça de Mangold e de Jay Cocks, que roteirizaram o filme. E isso cria uma fissura, provocando no fim a sensação (ou certeza) de que a trama flat, a estrutura demasiadamente convencional mas feita sem grande controle ou precisão, resulta num filme um tanto cansado, que até funciona na sala de cinema - e graças ao Chalamet e as canções estupendas de Dylan - mas que está aquém de muitos outros títulos dessa safra cinematográfica.
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